Você já se perguntou o porquê de retornarmos a certos comportamentos? Quantas vezes retomamos velhos hábitos, por exemplo, voltar a comer aquela comida calórica após um período de regime, mesmo tendo jurado de pés juntos que não voltaríamos a comer guloseimas. Ou falar com um(a) ex-namorado(a), assim que rompermos com o(a) atual. Comportamentos que acreditávamos estarem “mortos e enterrados” podem reaparecer, e isso é comum tanto no nosso dia-a-dia, como em situações terapêuticas.
Imagine agora casos ainda mais delicados de recorrência de comportamentos, como o abuso de drogas ilícitas. Um indivíduo durante um longo período longe das drogas, em geral, apresenta extinção das respostas que levariam ao consumo da droga. Entretanto, após um intervalo de tempo, alguns usuários voltam a consumir a substância. Nesse caso, tem-se uma recaída e isso dificulta, e muito, a recuperação das pessoas adictas a essas substâncias.
Fenômenos como esses indicados são chamados na literatura analítico-comportamental de “recorrência”.
Um episódio caracteriza-se como um caso de recorrência quando um comportamento anteriormente reforçado foi extinto e, posteriormente, as respostas são emitidas novamente, ou seja, “ressurgem”. Na pesquisa experimental sobre o tema, os episódios de recorrência têm sido identificados pelos seguintes processos:
- Ressurgência: quando a resposta deixa de ser reforçada e é reforçada uma resposta alternativa, mas com a descontinuidade do reforço apresentado para a resposta alternativa, a resposta anterior ressurge.
- Renovação: uma mudança de contexto provoca o aumento da taxa de respostas, as quais haviam sido extintas num contexto anterior.
- Restabelecimento: após a extinção, o reforçador é novamente apresentado independentemente das respostas, observando-se restabelecimento da resposta que havia sido extinta.
Esses três processos (ressurgência, renovação e restabelecimento) foram investigados, respectivamente, em três experimentos relatados em um artigo de Jérome Alessandri, Kennon Lattal e Carlos Cançado disponível na prestigiosa revista cientifica Journal of the Experimental Analysis of Behavior. A grande “sacada” desses autores foi o uso do reforçamento negativo, ao invés do positivo, para produzir a recorrência das respostas nos experimentos. Uma característica do reforço negativo é produzir e aumentar a frequência de comportamentos para eliminar a estimulação aversiva. Nos estudos de recorrência é raro o uso de contingências de reforço negativo, mas esse tipo de contingência pode mostrar novas e importantes variáveis para esse processo comportamental, e contribuir com o avanço científico da área. Outra lacuna apontada pelos autores sobre os estudos anteriores é que, em sua maioria, a recorrência de respostas foi investigada em animais não-humanos. Nesse caso, os três experimentos contaram com a participação de adultos universitários.
Nos três experimentos do artigo de Jérome e colaboradores, os participantes tinham de sentar-se em frente a um computador e pressionavam uma barra com os dedos, aplicando uma quantidade de força razoável. A pressão dessa barra deveria ser mantida, salvo se fosse emitida uma resposta ao pressionar a seta “para baixo” do teclado do computador, pois essa resposta operante permitia a liberação de um reforçador (livrar-se por 3 segundos da pressão à barra). Essa era a contingência de reforçamento negativo apresentada. O objetivo desse procedimento era aumentar, nos três experimentos, as taxas de respostas dos participantes (pressionar a seta para baixo) para livrarem-se da pressão à barra, e para isso foram utilizados esquemas de reforçamento negativo com variados números de respostas (1 a 75), em esquemas de razão fixa. Posteriormente, em outra fase dos experimentos, ocorria a extinção dessas respostas.
O primeiro experimento investigou a ressurgência. Nesse experimento em sua primeira fase observam-se altas taxas de respostas de esquiva à pressão da barra. Durante a segunda fase, uma outra resposta foi reforçada e, com isso, a resposta anterior foi extinta. A outra resposta foi estabelecida ao reforçar um comportamento alternativo: para se livrar da pressão a barra, não deveria ocorrer resposta de pressão na seta do teclado dentro de um intervalo de tempo (2s inicialmente, chegando à 20s). Essa resposta era incompatível com a emitida na primeira fase. Na última fase, chamada de fase teste, nenhuma das respostas estabelecidas anteriormente era efetiva em livrar o participante de ter que pressionar a barra. Os dados dessa fase mostraram um aumento das taxas de respostas de pressão da seta “para baixo”.
O segundo experimento investigou a renovação. Foi manipulado, nesse experimento, o papel do contexto enquanto estímulo discriminativo para as respostas dos participantes. Na fase inicial as taxas de repostas foram altas e os participantes podiam ver uma tela de cor verde no computador. Na segunda fase, ocorreu a extinção das respostas e o fundo da tela era azul. Na fase de teste, a contingência de extinção permanecia em efeito, mas o fundo da tela foi alterado para a cor verde. Observou-se, na fase de teste, um aumento significativo das taxas de respostas de pressão da tecla, se comparado a fase de extinção.
O terceiro experimento investigou o restabelecimento. Após a fase de extinção (segunda fase) foi apresentada a fase de teste, na qual o reforçador negativo (livrar-se de apertar a barra por algum tempo) era apresentado independentemente da resposta dos participantes. Dos quatro participantes do experimento, observou-se na fase de teste um discreto aumento da taxa de respostas para somente um participante, sendo que os outros três continuaram com taxas de respostas próximas à zero.
Os resultados dos três experimentos chamam a atenção por replicarem efeitos similares entre as respostas emitidas por animais não-humanos e, mais interessante ainda, por terem padrões similares na recorrência das respostas em estudos com contingência de reforçamento positivo. A recorrência das respostas (pressionar a tecla para se livrar da pressão à barra), mesmo extintas (tanto pela remoção da contingência quanto pela emissão de respostas incompatíveis), mostrou-se consistente nas formas de ressurgência e de renovação. O experimento realizado para investigar o restabelecimento, por outro lado, não mostrou resultados suficientemente consistentes para que se possa afirmar o seu efeito.
De modo geral, os dados dessa pesquisa mostraram que a renovação é o tipo mais forte de recorrência, pois a simples reapresentação do contexto anterior (estímulo discriminativo) associado com reforçamento durante a primeira fase foi suficiente para que as taxas de respostas se elevassem. Vale lembrar que, mesmo com a reapresentação do contexto (fase de teste), as respostas já estavam extintas na fase anterior e não foram liberados reforçadores na fase de teste. Nesse sentido, o papel do contexto parece ser uma das variáveis relevantes para a recorrência de respostas, em especial, no processo de renovação. Essa pesquisa básica apresenta diversas implicações. Pesquisas futuras podem ser arranjadas estudando outras contingências de reforçamento negativo diferentes do que pressões à barra, como por exemplo: créditos em cursos ou pontos trocados por dinheiro, as quais são mais próximas ao ambiente natural dos seres humanos.
Quer saber mais?
Alessandri, J., Lattal, K. A., & Cançado, C. R. (2015). The recurrence of negatively reinforced responding of humans. Journal of the experimental analysis of behavior, 104(3), 211-222.
Texto escrito por Marlon Alexandre de Oliveira
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos
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