Prisão como Punição: Por que o sistema prisional parece não diminuir a violência?

O sistema prisional é alvo de muitas discussões. Uma das questões discutidas é se as medidas adotadas por esse sistema diminuem o número de crimes, já que ele é bastante alto em alguns países e gera custos elevados para o governo.
Tanto nos EUA quanto no Brasil, o número de crimes é enorme. Em 2013, nos Estados Unidos, ocorreram mais de 6 milhões de crimes violentos, incluindo aproximadamente 17.000 assassinatos e 300.000 estupros. No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2016), em 2016, houve 58.467 mortes violentas intencionais, e, em 2015, 45.460 casos de estupro. O número de pessoas encarceradas também é grande. Nos EUA há 2,2 milhões de pessoas, tendo esse país a maior população carcerária do mundo. Já o Brasil tem a quarta população, com 584.361 pessoas presas em 2016 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016).
Alexis B. Apel e James W. Diller, pesquisadores norte-americanos, analisaram os fatores relacionados à prisão nos EUA por meio da perspectiva da Análise do Comportamento.
Eles comentam que na terminologia do sistema legal, o encarceramento é entendido como punição, no sentido de castigo e de diminuir a chance da pessoa se engajar em comportamentos criminosos novamente. Segundo os autores, essa punição tem o objetivo de funcionar como punição operante na definição da Análise do Comportamento. Na punição operante há a apresentação de uma consequência aversiva (por exemplo, encarceramento) após a emissão de uma resposta (por exemplo, um roubo), e, dessa forma, a probabilidade de ocorrência dela é diminuída.
Portanto, ao analisar a prisão como punição operante, a taxa de comportamento criminoso deveria ser baixa, mas não é o que ocorre. Somando-se a isso, há o elevado número de pessoas presas e de reincidências. Dados demonstram que 70% dos presos liberados em 2005, nos EUA, foram reaprisionados por um novo crime dentro de três anos. Porcentagem semelhante é encontrada no Brasil (IPEA, 2015).
Diante desses índices alarmantes, é importante a análise dos fatores relacionados à punição operante no sistema de justiça criminal, para que seja possível a elaboração de medidas mais eficazes para combater o crime. Apel e Diller analisaram os seguintes fatores: reforço, disponibilidade de reforço para respostas alternativas, intensidade, probabilidade e imediaticidade da punição.
O primeiro fator é o reforço, ou seja, é a apresentação de uma consequência que aumenta a probabilidade do mesmo comportamento ocorrer novamente. Exemplos de reforços são o acesso a bens ou dinheiro, bem como o reforço social. Portanto, as pessoas se engajam em comportamentos criminosos porque há reforço para esses comportamentos.
O segundo fator é a disponibilidade de reforços para comportamentos alternativos, em que são reforçados comportamentos que não sejam criminosos (por exemplo, comportamentos pró-sociais). Os autores mencionam que esse fator pode aumentar a efetividade do procedimento de punição. No entanto, no atual sistema de justiça criminal, há falta de desenvolvimento desses comportamentos alternativos, devido às atividades limitadas e fracos laços familiares dentro da prisão.
A intensidade da punição é o fator mais questionado pelos autores. Ele é definido como a duração de tempo das penas. Tanto nos EUA quanto no Brasil, penas de longa duração são relacionadas, supostamente, com a redução da taxa de criminalidade. Mas pesquisas demonstram que sentenças longas não têm impacto significativo na taxa de crimes ou diminuem a taxa de apenas alguns.
O quarto fator é a probabilidade da punição do agressor. Muitas pesquisas indicam uma correlação negativa entre a alta probabilidade de ser preso e a taxa de crime, ou seja, quanto menor a probabilidade dos infratores serem capturados e encarcerados, maiores os números de crimes. O que vemos atualmente são probabilidades baixas de punição, por exemplo, nos EUA, a probabilidade de uma pessoa ser presa por homicídio é de 0.498. Para aumentar essa probabilidade, deve-se aumentar a presença de aplicação da lei, como, por exemplo, a maior presença de policiais nas ruas ou em pontos da cidade em que há maior número de ocorrências de crimes.
Outro fator decisivo para a efetividade da punição é a sua imediaticidade. Os dados na Análise do Comportamento indicam que quanto mais imediata a punição é aplicada ao comportamento, menor a probabilidade desse comportamento ocorrer novamente. No entanto, o tempo entre cometer o crime, ser preso e cumprir a sentença é bastante extenso.
Com base nos fatores citados, há a indicação de que a punição de alta probabilidade combinada com a disponibilidade de acesso ao reforço de comportamentos alternativos seria mais eficaz para reduzir o comportamento criminoso, em comparação com as medidas adotadas atualmente.
Apesar de que nem todas as medidas adotadas pelo sistema de justiça criminal dos EUA e do Brasil sejam baseadas em evidências, há algumas que são, como os programas de reinserção social, que trabalham a transição de pessoas após o encarceramento. Pesquisas demonstram que esses programas têm resultados positivos, porém, poucos prisioneiros podem acessá-los devido ao baixo financiamento e a superpopulação nas prisões.
Essa transição é difícil, pois há diversos fatores que impedem os indivíduos de se reintegrarem à sociedade após serem libertados da prisão, como a dificuldade em obter reforços alternativos (emprego, casa e relações sociais construtivas), discriminação, estigmas, hostilidade das próprias famílias, e a disponibilidade de reforços relacionados ao comportamento criminoso anterior.
A transição pós-encarceramento constitui uma área de potencial intervenção para os analistas do comportamento, e que é pouco explorada pelos mesmos. Ao aplicar as estratégias de treino de habilidades comportamentais, identificação de reforços potenciais, análise funcional, etc., junto a outros profissionais da área da justiça criminal, o analista do comportamento pode ajudar na elaboração e implantação de políticas públicas nesse campo, bem como colaborar para a diminuição da violência em nossa sociedade.

Quer saber mais?
Consulte o texto:
Apel, A. B., & Diller, J. W. (2016). Prison as punishment: A behavior-analytic evaluation of incarceration. The Behavior Analyst, 1-14.

Outras referências:
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2016). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. 10. http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 2015. Reincidência criminal no Brasil. http://cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf.

Fonte da imagem: http://data1.ibtimes.co.in/cache-img-0-450/en/full/627981/1487149805_jail.jpg.

Escrito por Josiane Maria Donadeli, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, e membro do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. Bolsista FAPESP.
“As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”.

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