Análise do Comportamento investiga: como lidam os professores com a “turma do fundão”?

A sala de aula (presencial ou on-line, nesses tempos de quarentena) é um espaço no qual o tipo de interações vividas é fundamental para a aprendizagem. Nesse contexto, destaca-se a interação entre professor-aluno: todo mundo que já esteve num banco escolar sabe a importância dessa dinâmica. Mas o quanto professores, mesmo sem perceber, selecionam e fortalecem comportamentos de seus alunos que não gostariam que ocorressem? É razoável supor que, se perguntados, professores que lidam com um aluno indisciplinado podem afirmar que se comportam ativamente para melhorar o comportamento desse aluno, criando condições para que o mesmo seja mais disciplinado e que a frequência de indisciplina diminua.  Na realidade, será que é assim que ocorre?

Quando professores advertem, corrigem ou “disciplinam” um aluno, muitas vezes esperam que essas consequências vão enfraquecer os comportamentos disruptivos que as antecederam. Os analistas do comportamento sabem que uma advertência, por mais intensa que seja, não necessariamente tem esse efeito. É preciso olhar além da “cara” que a consequência tem: nem tudo que parece punição tem efeito punitivo. Da mesma forma, nem todo elogio fortalecerá comportamento desejável. Uma forma de investigar o efeito das consequências empregadas é fazer o que os analistas do comportamento chamam de “avaliação funcional”. Na avaliação funcional, variáveis do ambiente são observadas de forma a identificar relações funcionais entre eventos. O que isso quer dizer? Se, por exemplo, a ideia é verificar se reduzir o tempo de intervalo tem um efeito punitivo sobre o comportamento do aluno de conversar paralelamente à explicação do professor, uma possibilidade seria medir a frequência desse comportamento antes e durante a aplicação dessa consequência. Se um tempo reduzido de intervalo de fato tiver um efeito punitivo, essa frequência deverá diminuir quando a consequência estiver em vigor. Mas, considerando o caso de um aluno que fica desconfortável fora da sala de aula, um tempo menor de intervalo poderia inclusive ter o efeito oposto e fortalecer as conversas indesejadas.

A pesquisa de Neves e colaboradores (2020) baseia-se nessa ideia de que é importante avaliar a função que comportamentos dos professores teriam sobre os comportamentos dos alunos (Avaliação Funcional). Os experimentadores observaram a interação professor-aluno em sala de aula, em uma escola municipal com alto índice de violência em Goiânia. Três turmas com alto índice de problemas disciplinares foram sugeridas pela direção da escola para realização da pesquisa: 6°, 7° e 8° ano. Os dez professores convidados a serem observados foram aqueles que ministravam aulas para essas turmas. Quanto aos alunos, foram observados especificamente seis deles, com idades variando entre 9 e 16 anos (dois de cada turma). O critério de escolha dos alunos foi o total de ocorrências dos comportamentos apropriados ou inapropriados: após observação inicial, para cada turma foi selecionado o aluno com o maior total de ocorrência de comportamentos apropriados (“Disciplinado”) e aquele com o maior total de inapropriados (“Indisciplinado”).

As interações entre os professores e os alunos foram registradas em vídeo. Posteriormente, as imagens foram analisadas e categorizadas pelos pesquisadores como comportamentos adequados e inadequados. Também foram registradas as ações dos professores que ocorriam 5s antes e 5s após os comportamentos emitidos pelos alunos.

Foram considerados adequados os comportamentos dos alunos que potencialmente poderiam favorecer a aprendizagem, tais como: realizar tarefas acadêmicas, conversar sobre a tarefa escolar. Os comportamentos inadequados, em contrapartida, seriam os potencialmente prejudiciais à aprendizagem e incluíam: indisciplina, violência verbal, agressão física e desviar atenção durante a tarefa. Comportamentos dos professores que foram considerados eventos antecedentes ou consequentes, foram: explicar conteúdo, advertência ao aluno, advertência à turma, questionar, realizar atividades gerais e responder aluno. 

Os resultados indicaram inicialmente uma boa notícia: os alunos (Disciplinados e Indisciplinados) tendiam a emitir mais comportamentos adequados do que inadequados.  Os comportamentos inadequados eram mais frequentes entre os alunos do grupo Indisciplinados, mas, até aí, nenhuma surpresa, uma vez que esse dado confirmava a observação inicial que subsidiou a seleção de tais alunos para esse grupo. Entretanto, não foi encontrada diferença significativa na emissão de comportamentos apropriados entre alunos do Grupo Disciplinados e Indisciplinados. Ou seja: os alunos problemáticos apresentavam tantos comportamentos apropriados quanto aqueles considerados bons alunos.

E como os professores lidavam com essas diferenças? Eles buscavam consequenciar diferencialmente os comportamentos que desejavam em relação aos que queriam enfraquecer? Estavam atentos ao fato de que em boa parte do tempo os alunos tidos como problemáticos estavam se comportando de forma desejável? Curiosamente, de modo geral, foram poucas as situações nas quais os professores consequenciaram os comportamentos dos alunos e, quando o faziam, era diante de comportamentos considerados adequados apresentados pelos alunos Disciplinados e diante de inadequados emitidos pelos Indisciplinados. Além disso, quando eventualmente um professor advertia um aluno Indisciplinado, usualmente o fazia de maneira direcionada (“Joãozinho!! Olha a bagunça!”) – diferente do que fazia após um comportamento inapropriado de um aluno Disciplinado, que tinha mais chance de ser seguido por uma advertência geral à turma (“Pessoal, vamos fazer silêncio!”).

Isso permite supor que os professores talvez já estivessem respondendo diferencialmente a esses alunos: eles estavam muito mais atentos aos comportamentos disruptivos vindos dos Indisciplinados (e perdendo boas oportunidades de valorizar quando esses alunos realmente estavam engajados nas atividades que favoreciam a aprendizagem). Não somente isso: os resultados da avaliação dos comportamentos antecedentes dos professores mostraram que os professores criavam muito mais oportunidades de aprendizagem (sob a forma de perguntas ou explicações) para os alunos Disciplinados. A “turma do fundão” tinha mais chance de receber a atenção dos professores quando estava “causando”. Como a atenção do professor é especialmente importante para muitos alunos, é possível inclusive supor que comportar-se de forma indesejável foi sendo fortalecido pelo próprio comportamento (dar atenção) do professor:  mais ou menos na linha “falem mal, mas falem de mim”.

Esse estudo é especialmente interessante porque indica alguns vieses que podem estar dificultando a vida tanto de professores como de alunos. Uma boa estratégia poderia ser focar naquilo que a turma sabe fazer de melhor. 

Ficou interessado em saber como os pesquisadores fizeram esses vídeos ou como operacionalizaram as categorias de comportamento a serem registradas? Você pode acessar o artigo original aqui:

https://periodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/8883

Referência:

Neves, Sonia Maria & Todorov, João & Baia, Fabio & Souza, Anna & Junior, Ivaldo & Carneiro, Wanessa & Giglio, Laís. (2020). AVALIAÇÃO DE EVENTOS ANTECEDENTES E SUBSEQUENTES A COMPORTAMENTOS ADEQUADOS E INADEQUADOS NA INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO. Revista Brasileira de Análise do Comportamento. 16. 1-10. 10.18542/rebac.v16i1.8883.

Escrito por Renata Cristina Gomes, psicoterapeuta no ITCR Campinas, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. 

Crédito da Imagem Ilustrativa:

https://br.pinterest.com/pin/289497082269304470/

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