Análise do Comportamento também é crossfiteira? Como a ordem dos fatores altera o produto ao aprender o Clean e o Snatch.

Clean e Snatch são movimentos de levantamento de peso que fazem parte dos jogos olímpicos desde 1896 para os homens e desde 2000 para as mulheres (mais de um século depois, mas, “antes tarde do que nunca”…). Ambos envolvem aproximar-se de uma barra com pesos, posicionada no chão, e coordenar complexos movimentos de força para apoiar a barra sobre os ombros (no caso do Clean) ou erguê-la direto sobre a cabeça (no caso do Snatch).

Recentemente, tais movimentos têm sido muito popularizados (estima-se que nos últimos 20 anos houve um aumento de sua inclusão nos treinos de 70%), em parte graças ao número crescente de praticantes de Crossfit. Pensando no grande risco envolvido na execução incorreta desses movimentos (lembre-se que estamos falando de muitos quilos acima do seu pescoço ou cabeça!), não só para os atletas olímpicos e profissionais, mas justamente para os levantadores de peso amadores e iniciantes, James Moore e Laura Quintero, da University of Southern Mississippi, resolveram verificar se faz diferença a ordem na qual a execução do movimento é ensinada.

Apesar de não haver pesquisas publicadas sobre as melhores estratégias para ensinar esses movimentos aos novatos, os pesquisadores identificaram que existem dois modelos mais comumente usados pelos treinadores profissionais: bottom-up e top-down (“de baixo para cima” e “de cima para baixo”, respectivamente).

Coincidentemente (ou não?), as estratégias envolvidas em tais modelos são muito semelhantes àquilo que os Analistas do Comportamento chamam de encadeamento*. No modelo bottom-up, em que o aprendiz começa retirando a barra do chão e a sequência é fragmentada e ensinada a partir dessa cadeia de respostas, teríamos o chamado encadeamento para frente. No modelo top-down, em que o  aprendiz começa com a barra em sua posição final e o movimento é ensinado desse ponto até o início, teríamos então um processo semelhante ao encadeamento reverso.

Muitas coisas que fazemos no dia a dia envolvem algum tipo de encadeamento comportamental, como, por exemplo, usar uma máquina de lavar, amarrar os sapatos, trocar um pneu ou usar um caixa eletrônico.  Os analistas do comportamento conduziram diversos estudos para determinar que tipo de encadeamento (para frente ou reverso) é melhor para ensinar sequências comportamentais dessa natureza. Não há consenso e os resultados mostram que para cada tarefa a ser ensinada, um tipo de encadeamento parece ser mais apropriado. No caso do levantamento de peso, um desses modelos então funcionaria melhor do que o outro? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores convidaram 4 praticantes de Crossfit a participar do presente estudo: dois homens e duas mulheres, todos iniciantes a respeito do levantamento de peso. 

Os participantes treinaram por dois meses, em média 3 dias por semana, com James Moore na academia onde ele trabalhava como treinador. As sessões de treino eram filmadas, analisadas separadamente por observadores que assistiam os levantamentos de peso (Clean & Snatch) em camêra lenta e, posteriormente, os passos de cada um desses levantamentos eram categorizados de acordo com sua adequação: execução correta (+) ou incorreta (-). Os levantamentos foram divididos em 4 passos cada. Para o Clean, os passos eram o deadlift,  o pull, o power clean, e o agachamento (squat). No caso do Snatch, eram o deadlift, o pull, o power snatch, e o agachamento (squat). E, apesar dos levantadores de peso serem amadores, o esquema era profissa: os critérios adotados para avaliação da execução eram os estabelecidos pela Associação de Levantamento de Peso dos EUA (United States Weightlifting Association). Para cada levantamento, os pesquisadores somaram o número de passos considerados corretos (+), dividiram pelo total de passos necessários para o levantamento completo e converteram o quociente em uma porcentagem.

A cada participante foi randomicamente designado um modelo de encadeamento para cada levantamento. Se, por exemplo, dois participantes aprenderiam o Clean por encadeamento para frente, os mesmos participantes aprenderiam o Snatch por encadeamento reverso (e vice-versa para os dois participantes restantes) . Os levantamentos eram ensinados concomitantemente e, se o participante atingisse o critério de sucesso na aprendizagem de um deles (80% de acertos), a estratégia bem sucedida passava a ser aplicada para o outro levantamento, isto é, se o participante tivesse sido bem sucedido em executar o Clean por meio de encadeamento para frente, mas ainda não tivesse atingido o critério de aprendizagem para o Snatch, o Snatch passaria a ser ensinado por encadeamento para frente também.

No fim das contas, o que foi descoberto? Ao comparar as duas estratégias que os treinadores usualmente aplicam ao ensinar os levantamentos, os pesquisadores observaram que os 4 participantes atingiram o critério de aprendizagem por meio do encadeamento para frente, mas tiveram poucas melhoras quando submetidos ao encadeamento reverso. Mais do que isso: o encadeamento reverso não produziu a performance desejada para nenhum dos participantes! No caso do Clean e do Snatch, a ordem dos fatores modificou o produto! Quando o encadeamento reverso era substituído pelo encadeamento para frente, todos os participantes alcançavam o critério de acertos.

Os autores discutem, entre outras hipóteses, que, no caso de levantamentos como o Clean, se um movimento é executado de forma incorreta ao longo da cadeia (se, por exemplo, a barra não é levantada até os quadris antes da puxada final) pode não ser possível corrigir esse erro antes de dar seguimento. Quando o encadeamento era realizado para frente, garantiu-se a aprendizagem dos passos iniciais antes dos movimentos finais, o que reduziria esse problema.

Ficou interessado? Esse é o artigo original: 

Moore, J. W. and Quintero, L. M. (2019), Comparing forward and backward chaining in teaching Olympic weightlifting. Journal of Applied Behavior Analysis, 52: 50-59. doi:10.1002/jaba.517

*Seguem as definições dos termos apresentados, retiradas de Martin, P; Pear, J. (2009) Modificação do comportamento: o que é e como fazer. Editora Roca. São Paulo.

Encadeamento para frente: Começando da primeira, cada etapa deve ser dominada antes de passar para a próxima; O treinador fornece deixas e um reforçador para a etapa que é ensinada; Em cada tentativa, todas as etapas anteriormente dominadas são exigidas, até aquela que é ensinada; Dessa maneira, é aprendida uma etapa por vez, progredindo até a última. Encadeamento reverso: Começa com a última etapa – esta deve ser dominada antes de prosseguir para a penúltima etapa; O treinador fornece deixas para a etapa que é ensinada; Em cada tentativa, todas as etapas anteriormente dominadas são exigidas, e a última etapa é seguida por um reforçador; Dessa maneira, é aprendida uma etapa por vez, progredindo da última até a primeira. (p.164)

Escrito por Renata Cristina Gomes, psicoterapeuta na clínica Selten em Jaguariúna e no ITCR-Campinas, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. 

Crédito da Imagem Ilustrativa: https://www.rxdphotography.co.uk/

PAPO DE NÃO-COACHES: A FORÇA DA MOTIVAÇÃO

Muitos adoram utilizar a motivação como base de tudo. Você está motivado para conseguir atingir seus objetivos? Mas, agora vamos tentar mudar esse seu mindset com um papo não-coach sobre motivação. Pois, que a motivação é importante para o engajamento em atividades, isso já estamos carecas de saber. O organismo é esperto e também sabe disso. Por exemplo, imagina se nossa hidratação dependesse do nosso mero interesse em tomar água? Pelo menos eu, já estaria mortinha e desidratada! Então, para manter o equilíbrio das funções do corpo, o organismo manda aquele sinalzinho (que chamamos de sede) e isso motiva nossa busca pela água. 

Para os analistas do comportamento, esses estados corporais são importantes para prever a probabilidade do comportamento e, também, para nos direcionar na escolha de um estímulo reforçador. Até porque, imagine um calouro de Psicologia, conduzindo um experimento com modelo animal, com objetivo de fazer o ratinho pressionar a barra, oferecendo como reforço uma ‘pelotinha’ de comida. Esse exemplo foi bem clichê, admito, mas é fundamental esse calouro saber que, provavelmente, seu experimento só irá funcionar se o ratinho estiver privado de comida, ou seja, se essa ‘pelotinha’ de comida tiver um valor reforçador. E essa condição de privação é que irá aumentar a probabilidade de a comida ser reforçadora.

Pesquisas recentes têm demonstrado que nossos estados motivacionais podem influenciar na forma como avaliamos ou atribuímos significado a palavras ou objetos que não conhecemos. Um estudo realizado por Gomes e colaboradores (2019) buscou entender essa relação entre estado motivacional, atribuição de significado e avaliação figuras que, pelo menos a princípio, não possuem significado.

Contudo, para entendermos o estudo de Gomes e colaboradores (2019), antes é preciso compreendermos três conceitos fundamentais: transformação derivada de função, instrumento de diferencial semântico e Instrumento de Avaliação Relacional Implícita (IRAP).

Bem, vamos por partes! Primeiro vamos entender o que é essa transformação derivada de função. Então, imagine que você chega em um bar e vê logo na entrada “Promoção de GOG”. Inicialmente, você não sabe o que GOG significa. Mas, logo quando você entra, vem uma moça e diz “Me vê uma GOG” e, imediatamente, o garçom lhe dá uma garrafa de água bem geladinha. Você, que está com muita sede, pensa: “preciso tomar uma água”, então vai ao garçom e fala: “quero uma GOG” e, logo em seguida, recebe uma água. Então, o que temos aqui é uma transformação da função da palavra GOG, que antes não significava nada e agora tem o mesmo significado (ou função) de água.  Mas, se você está com muita sede, você irá avaliar água como positivo ou negativo? Prazeroso ou desagradável? Provavelmente como positivo e prazeroso, certo? Porque no momento da sede, a água possui alto valor reforçador. Então, o que observamos é uma transformação derivada de função (ou seja, GOG com o mesmo significado de água, que  resultou em uma avaliação positiva). Em pesquisas, essa transformação derivada de função pode ser avaliada com um instrumento denominado “diferencial semântico”, onde a palavra ou figura é colocada no topo de uma folha e conjunto de adjetivos positivos e negativos (exemplo: prazeroso, desprazeroso, agradável e desagradável) são colocados em forma de escala, de modo que o participante deve escolher em que grau ele considera positivo ou negativo aquele estímulo. 

 Agora vamos tentar entender o que é esse Instrumento de Avaliação Relacional Implícita, o tal do IRAP. Bom, todos nós temos alguma opinião sobre um assunto, a qual não expressamos em público com medo de represália de pessoas. Então é comum mentirmos nesses casos, dizendo algo que não acreditamos realmente, ou algo que a audiência gostaria de ouvir. Sendo assim, imagine que você odeia insetos, em particular a tal da barata, mas você pertence a um grupo de ativistas ambientais. Em uma conversa, todos estão dizendo que a barata é um bichinho importante e pouco compreendido, então, se você expressar sua opinião, provavelmente, será retaliado. Sua boca vai dizer uma coisa, mas os seus pensamentos e estados corporais irão dizer outra. O IRAP tem a finalidade de verificar como as relações são formadas durante a história de vida dos participantes, independentemente daquilo que ele expressa de forma pública.. Para isso, é colocada uma palavra ou foto no topo da tela de um computador, como por exemplo, BARATA, logo embaixo é colocada uma imagem, frase ou palavra  associada, por exemplo, BONITO, e depois o indivíduo deve responder se essa relação é Verdadeira ou Falsa. Então, se as instruções disserem que o participante deve dizer que essa relação é verdadeira, quando participante apertar verdadeiro, ele receberá como feedback ‘correto’, se apertar ‘Falso’ receberá o feedback ‘incorreto’. Só que tem um detalhe: depois que o participante aprende essa relação como verdadeira, há uma inversão, e essa relação é apresentada como ‘Falsa’. Portanto, se for pressionado BARATA e BONITO como verdadeiro, o feedback será ‘Incorreto’, se for falsa, vai ser apresentado ‘correto’. Para um indivíduo que odeia baratas, mas tem que apresentar opiniões positivas sobre a barata dentro de seu grupo, qual relação será que ele aprende mais facilmente? A que ele fala publicamente ou a que ele,normalmente pensa? Bom, agora preciso lhes contar algo importante: o IRAP não te dá tempo para ficar refletindo sobre aquela relação, portanto, como o indivíduo tem que responder muito rápido, é mais provável que ele aprenda mais facilmente a relação que está mais relacionada com seus julgamentos mais íntimos.

Agora, voltando ao estudo de Gomes e colaboradores (2019), em suma, o que os pesquisadores fizeram foi avaliar se o IRAP (aquele procedimento que capta seu verdadeiro julgamento sobre algo) seria capaz de avaliar a transformação derivada de função (ou seja, você aprender relacionar objetos ou palavras, tornando-os iguais), considerando 3 condições motivacionais (aquilo que torna mais provável o comportamento acontecer). Para tanto, participaram 36 adultos e o procedimento teve 4 etapas. 

Na primeira etapa, todos os participantes foram treinados a relacionar dois grupos de figuras sem significado (Classe 1 e Classe 2) com uma foto de garrafa de Água ou uma foto de uma Cadeira (Classe 1 foi relacionada com Água, Classe 2 com Cadeira) – se está com dúvidas, volte na explicação de transformação derivada de função. Na segunda etapa, os participantes foram divididos em 3 grupos: 1) o primeiro grupo tomou 400 ml de água (Grupo da Água); 2) para o segundo grupo foi administrada 0,3 ml de pimenta na língua (Grupo Pimenta Simples); 3) no terceiro grupo foi administrada 0,6 ml de pimenta (Grupo Pimenta em Dobro, Arriba!). Na terceira etapa os participantes responderam ao instrumento de diferencial semântico para avaliar com adjetivos positivos ou negativos aquelas figuras que, inicialmente, eram sem significado (as mesmas que foram relacionadas com Água ou Cadeira). Cabe destacar que antes do diferencial semântico, o Grupo Água recebeu 200 ml de água e os Grupos Pimenta, Simples e em Dobro, receberam 0,3 ml de pimenta na língua. 

Na quarta etapa, os  participantes fizeram uma tarefa no IRAP, onde os estímulos usados eram as figuras Classe 1 (que tinham mesmo significado de Água) e classe 2 (que tinham mesmo significado Cadeira). No primeiro bloco, os estímulos da Classe 1 eram relacionadas com palavras de conotação positiva como sendo verdadeiro (Exemplo: Água → Bom → Verdadeiro) e os estímulos da Classe 2 eram relacionados como não sendo de conotação positiva (Exemplo: Cadeira → Bom → Falso). No segundo bloco, essa relação era invertida (ou seja, Classe 1→ Bom → Falso/ Classe 2 → Bom → Verdadeiro). Antes do IRAP, o grupo Água recebeu 200 ml de água e apenas o grupo Pimenta em Dobro recebeu 0,3 ml de pimenta.

O que será que Gomes e colaboradores (2019) encontraram nos resultados?

Vamos indo de grupo em grupo. Para o grupo que recebeu água, a avaliação dos estímulos relacionados à água e a cadeira no diferencial semântico foram próximo da neutralidade (aquele Hot n’ cold da Katy Perry, nem bom nem ruim). Para os grupos que receberam Pimenta, a avaliação dos estímulos relacionados à água no diferencial semântico foi positiva, enquanto que os relacionados a cadeira foi neutra. Para entender esse resultado, imagine você com pimenta na boca, qual a primeira coisa que você ia querer, cadeira ou água? Bingo! Primeiro acerto do experimento. 

E no IRAP? Qual grupo será que aprendeu mais rápido a relação Classe 1 (água) → Bom →  Verdadeiro? Todos! Isso mesmo, todos grupos, inclusive os que beberam água, aprenderam mais rápido a relacionar estímulos da classe 1 como positivo. Mas, tchan tchan, o Grupo Pimenta teve uma taxa de aprendizagem¹ da relação Classe 1 → Positivo  ligeiramente maior do que a do Grupo da Água e…

RUFEM OS TAMBORES

…o grupo que recebeu Pimenta em Dobro teve uma taxa de aprendizagem da relação Classe 1 → Positiva ainda maior, quando comparado com os outros grupos.

Esse estudo, além de demonstrar o papel da motivação na transformação de função, ainda sugere um instrumento para medir a força dessa transformação.

Muito legal né?

Então, para saber mais, dá uma conferida nas referências abaixo:

Gomes, C. T., Perez, W. F., de Almeida, J. H., Ribeiro, A., de Rose, J. C., & Barnes-Holmes, D. (2019). Assessing a Derived Transformation of Functions Using the Implicit Relational Assessment Procedure Under Three Motivative Conditions. The Psychological Record, 1-11.

Hughes, S., & Barnes-Holmes, D. (2011). On the formation and persistence of implicit attitudes: New evidence from the Implicit Relational Assessment Procedure (IRAP). The Psychological Record, 61(3), 391-410.

Barnes-Holmes, Y., Barnes-Holmes, D., Roche, B., & Smeets, P. M. (2001). Exemplar training and a derived transformation of function in accordance with symmetry. The Psychological Record, 51(2), 287-308.

¹ taxa de aprendizagem: diz respeito ao escore (considerando velocidade de resposta x acertos) obtido no bloco da relação Classe 1 → Positivo → Verdadeiro

Fonte das imagens: https://www.youtube.com/watch?v=RBwi7nlBOQY

https://www.google.com/search?q=pressiono+a+bara+por+comida&rlz=1C1EJFC_enBR879BR879&sxsrf=ACYBGNQcVfgfm6VB0Uqbw4sPE02OAubUtw:1576527816730&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwiKo_rj_7rmAhVXH7kGHU-MAZsQ_AUoAXoECAwQAw&biw=1366&bih=576#imgrc=ox06YX0rM0bWEM

Escrito por Denise Aparecida Passarelli, mestranda do Programa de Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, no Laboratório de Estudos sobre Comportamento Humano (LECH). É membro do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

“As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”

Fatores que afetam o grau de relacionamento de classes de estímulos equivalentes

Nós já falamos sobre o paradigma de equivalência de estímulos em posts anteriores (como aqui (https://boletimbehaviorista.wordpress.com/2018/09/07/equivalencia-de-estimulos-e-coisa-so-de-humano/) e aqui (https://boletimbehaviorista.wordpress.com/2016/11/17/o-paradigma-de-equivalencia-de-estimulos-precisa-de-ajustes/). Em resumo, o paradigma de equivalência de estímulos é uma maneira de verificar experimentalmente relações chamadas de simbólicas. Assim, após o ensino de duas ou mais relações, testa-se a emergência de relações não diretamente ensinadas, e quando se atesta três propriedades (reflexividade, simetria e transitividade), diz-se que os estímulos de uma classe são equivalentes entre si. Quando dizemos que os estímulos são equivalentes, isso significa que eles são substituíveis em algumas ocasiões, como quando a palavra “sorvete” é utilizada para se referir a um sorvete. 

Por ser um tópico bastante estudado na área, e pela sua relevância científica e social (e.g., estudos sobre aquisição de linguagem, estudos sobre preconceito), até o momento, foram investigadas diversas variáveis que afetam a formação e a reorganização de classes de equivalência. Isso é importante, porque auxilia no avanço teórico da área e, consequentemente, na sua aplicação. Por exemplo, uma vez que os estímulos equivalentes são considerados substituíveis uns pelos outros, por implicação, isso significaria que eles seriam igualmente relacionados uns com os outros. Entretanto, descobriu-se que os estímulos podem ser diferencialmente relacionados, apesar de serem considerados equivalentes. Pode parecer um contrassenso, mas vamos pensar um pouco: você pode ter aprendido que as palavras “sério”, “relevante”, notável”, e “influente” são sinônimos da palavra “importante”. Entretanto, em um contexto no qual alguém diz que está com um “problema importante”, nós dificilmente usaríamos a palavra “influente” para nos referir a magnitude deste problema; os outros sinônimos apresentados seriam, portanto, mais equivalentes à palavra “importante” que o termo “influente”. 

Um dos fatores que afeta esse relacionamento diferencial entre os estímulos de uma classe de equivalência é a chamada distância nodal, ou seja, o número de nódulos que separam um estímulo de outro que seja equivalente a este. Por exemplo, imagine que a palavra “importante” (estímulo A) foi relacionada a palavra “relevante” (B), que a palavra “relevante”, por sua vez, foi relacionada com a palavra “notável” (C) e, por fim, que esta foi relacionada a palavra “influente” (D). Nesse caso, nós dizemos que, entre o estímulo A e o D, existem dois nódulos. Quanto maior o número de nódulos, menor o grau de relacionamento entre os estímulos, ou seja, menos relacionados eles estão (apesar de serem considerados todos equivalentes). 

Outra descoberta relativamente recente se refere à preferência por um ou outro tipo de relação emergente. Imagine que você foi treinado a relacionar A com B, B com C, e assim por diante, formando uma classe com os estímulos A – B – C – D – E – F – G. Em seguida, a experimentadora dá um novo teste, e você percebe que ambos os estímulos de comparação são considerados corretos, com base no seu treino prévio (por exemplo, diante de D1, ter como estímulos de comparação G1 e A1). O interessante desse teste é que uma das relações (D1G1) constitui uma relação transitiva, e a outra (D1A1), de equivalência, mas ambas possuem o mesmo número de nódulos (o número de estímulos entre D e G é dois, assim como entre D e A). Diante de escolhas desse tipo, na qual se avalia a preferência entre uma relação transitiva e outra de equivalência, ambas com o mesmo número de nódulos, os participantes tendem a escolher, com uma maior frequência, as relações transitivas às equivalentes. Assim, infere-se que a força das relações transitivas é maior que a das relações de equivalência, e isso tem sido chamado de “efeito do tipo de relação/tipo relacional”. 

Pois bem, o objetivo do estudo conduzido por Leif Albright, Lanny Fields, Kenneth Reeve, Sharon Reeve e April Kisamore, publicado recentemente no periódico The Psychological Record foi verificar se o grau de relacionamento dos estímulos seria afetado pela distância nodal e pelo tipo de relação/tipo relacional em conjunto. Para isso, eles recrutaram 29 participantes, os quais foram expostos a um treino que os ensinava a relacionar os estímulos A – B – C – D – E – F – G – H – I (A com B, depois B com C, C com D, e assim por diante). Os estímulos A, B, F, G, H, e I eram palavras sem sentido, e os estímulos C, D e E eram estímulos familiares (carro, caneca, gato, maçã). Esses estímulos familiares foram utilizados pois existem evidências de que eles facilitam a formação de classes de equivalência, e como as classes a serem formadas eram grandes, isso facilitaria o aprendizado. 

Os participantes eram expostos a um treino onde todas as relações (AB, BC, CD, DE, EF, FG, GH, HI) eram treinadas em um bloco, seguidas por treinos com redução do feedback, onde nem todas as tentativas eram consequenciadas, e por fim, por blocos de testes que verificavam se os participantes formariam as classes. Esse tipo de treino no qual todas as relações são treinadas de uma vez é difícil, mesmo com os estímulos familiares auxiliando. Assim, somente oito participantes formaram as classes. Após formarem as classes, eles faziam outro teste. Nesse teste, o estímulo-modelo e os dois estímulos de comparação faziam parte da mesma classe de equivalência, de modo que ambas respostas estariam corretas de acordo com o treino prévio. Em todas as tentativas, modelo e comparação eram separados por um nódulo nas relações de equivalência testadas, enquanto nas relações de transitividade, modelo e comparação eram separados por um, dois, três, quatro ou cinco nódulos (C era o estímulo modelo, e as comparações AE, AF, AG, AH, e AI). Desse modo, os experimentadores poderiam verificar o ponto (o número de nódulos) no qual a preferência por uma relação equivalente era igual a preferência por uma relação transitiva. 

Os resultados desse teste de preferência mostraram que relações transitivas de dois nódulos foram igualmente preferidas as relações de equivalência de um nódulo. Adicionalmente, a exposição a esse tipo de teste não alterou o desempenho dos participantes em um teste de relações derivadas dado após os testes de preferência. Apesar de ser uma pesquisa básica, esse tipo de trabalho pode ter implicações práticas importantes, principalmente quando se usa esse paradigma para ensinar linguagem (e.g., planejamento de quais palavras ou sílabas serão relacionadas com quais na fase de treino, entender melhor o desempenho de alguns participantes). 

Quer saber mais?

O estudo: Albright, L. K., Fields, L., Reeve, K. F., Reeve, S. A., & Kisamore, A. N. (2019). Relatedness of equivalence class members: Combined effects of nodality and relational type. The Psychological Record. Online first publication. doi: 10.1007/s40732-019-00329-6

Escrito por Táhcita M. Mizael, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, e membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. Bolsista FAPESP.

“As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”.

Que tal um dedinho de prosa? Como melhorar a comunicação entre moradores de casas de repouso.

Imagine essa cena. Você entra em uma casa de repouso para idosos e vê todos eles em silêncio, sentados no sofá assistindo TV. Pra quem frequenta lugares como esse, essa é uma cena clássica. Várias pessoas no mesmo ambiente e quase nenhuma interação entre elas. Parece que a TV tem esse poder de hipnotizar as pessoas. 

Com essa imagem na cabeça, muitas pessoas que querem fazer trabalhos voluntários em casas de repouso pensam em ir até lá para conversar e dar um pouco de atenção para os moradores. De fato, muitos moradores demonstram gostar bastante desse tipo de atenção. Um dedinho de prosa é sempre bem-vindo! Mas se conversar é tão gostoso, porque será que os moradores dessas instituições não conversam mais entre si? Será mesmo culpa da TV? Será que é tão difícil assim fazer amizades nesses locais? Talvez eles precisem só de um empurrãozinho. 

Melhorar a comunicação entre pessoas pode ser mais fácil do que parece. Pelo menos é essa a lição que podemos tirar do estudo realizado por Rebecca A. Sharp, Emma Williams, Rebecka Rörnes, Choo Ying Lau, e Carolien Lamers e publicado esse ano na revista Behavior Analysis in Practice. Os autores queriam saber se um simples rearranjo na disposição de móveis e cadeiras poderia incentivar maiores interações entre os moradores.   

A pesquisa ocorreu em uma instituição especializada em cuidados temporários de pessoas com demências. Mais especificamente, as observações foram feitas em uma sala de convivência. Na sala havia alguns sofás e poltronas encostados nas paredes, assim como algumas mesinhas de apoio e uma TV em uma das paredes. Esse foi chamado de arranjo “cadeiras nas extremidades” (nome não muito criativo! Hehe). Nessa sala, as interações entre os residentes nesse arranjo era quase zero. Os experimentadores então mudaram a mobília de lugar e rearranjaram as poltronas e o sofá de duas formas diferentes. No arranjo “Atividades” as poltronas e sofás foram colocadas ao redor de mesas nas quais haviam jogos disponíveis, como dominó, revistas e quebra cabeça. No arranjo “pequenos grupos” os móveis também foram arranjados de forma que as pessoas se sentassem de frente umas para as outras, mas os jogos não estavam disponíveis. 

Os resultados indicaram um grande aumento na comunicação entre as pessoas tanto no arranjo “Atividades” quanto no “Pequenos grupos”. Enquanto no arranjo “cadeiras nas extremidades” ocorriam interações em média em 10% dos intervalos observados, no arranjo “Atividades” a comunicação ocorreu entre 15 e 71% dos intervalos (aumentou entre a primeira e a última observação) e no arranjo  “Pequenos grupos”, entre 54 e 66%. Esses resultados nos levam a pensar como pequenas mudanças podem trazer grandes resultados! E olha que a TV continuou no ambiente o tempo todo. 

Quer saber mais sobre o estudo? Confira o artigo completo: Sharp, R. A., Williams, E., Rörnes, R., Lau, C.Y, & Lamers, C. (2019). Lounge Layout to Facilitate Communication and Engagement in People with Dementia. Behavior Analysis in Practice, 12(3), 667-642.

Postado por Natalia M. Aggio, Pos-doutoranda no Departamento de Psicologia da
UFSCar, bolsista CAPES.

Em busca de uma definição dos valores pessoais na clínica analítico- comportamental

Durante as intervenções na clínica analítico-comportamental, o terapeuta precisa identificar quais valores são significativos para o cliente, pois estes valores são parte dos objetivos terapêuticos e guiarão a tomada de decisões sobre a própria intervenção em consonância com a plenitude da vida do cliente

Porém, qual é a melhor definição de valores que seja de utilidade teórica, ética, prática e técnica para a clínica analítico-comportamental (CAC)? Ora, dizer que uma pessoa valoriza algo porque é um reforço positivo se aproxima da definição Skinneriana de valores, o próprio autor diz: “qualquer categoria de valores é uma lista de reforçadores – condicionados ou de outro tipo”. Se pararmos por aí, ótimo, o mestre falou, beleza! Vamos aceitar e não se mexe mais nisso!

 A definição de Skinner é útil para pensarmos em comportamentos que são regras ou que adquirem função reforçadora positiva e nós consideramos estes como valores. Por outro lado, esta definição além de insuficiente para definir os valores na CAC pode ser inocula na produção de conhecimento científico sobre o tema.  Por isso, vamos agora fazer uma viagem pelo artigo dos brasileiros Tiago Ferreira, Aline Simões, Amanda Ferreira e Bruno dos Santos publicados na revista internacional Perspectives on Behavior Science em 2019. Neste texto, os autores procuraram uma definição mais precisa do termos valores e que fosse útil para a atuação clínica comportamental contemporânea. Assim, eles definiram valores como qualidades estáveis e compreensivas dos nossos próprios comportamentos. Deste modo, os indivíduos podem estabelecer certas regras que descrevem as qualidades dos seus repertórios ao longo da vida e, deste modo, produzem funções reforçadores positivas para o próprio comportamento. Ótimo, agora vamos tentar entender como Tiago Ferreira e seus colaboradores defendem a definição poderá nos ajudar nas intervenções clínicas, principalmente, apresentando uma definição mais precisa que possa gerar programas de pesquisas básicas e aplicadas sobre o tema. 

Uma definição utilizando somente conceitos clássicos da Análise experimental do comportamento, segundo os autores, seria pouco útil para investigar os valores na CAC.  Por exemplo, se uma pessoa diz: “Eu adoro café” e/ou que toma café com certa frequência, temos alguma pista para afirmar que ela valoriza o café e este ato é reforçador, uma vez que pressupomos que falar sobre o quanto gosta de café seja reforçador. Todavia, como a ciência deve sempre progredir e algumas definições podem não se encaixar bem quando pensamos em seres humanos (dotados de linguagem complexa e cognição – pensamento -), uma vez que valorizar algo pode ser diferente na situação clínica. 

Imagine um cliente que diz ao seu terapeuta: “Para mim ser um pai amoroso é importante! É isso que eu quero ser”. Bom, este valor é diferente de dizer sobre a pessoa que gosta de café, pois ser um pai amoroso envolve experiências com vários eventos aversivos, punitivos, fartos de reforçadores positivos. Isso envolve a experienciar situações que produzam transformações de funções dos estímulos sobre o seu eu (ser pai), ou ainda, esta pessoa nem pode se tornar um pai tão amoroso assim, pois por mais que se comporte, o ambiente poderá não prover estímulos reforçadores para isso, embora esteja compromissada a ser um bom pai e entenda que as experiências boas e ruins deste processo fazem parte de um vida de acordo com seus valores. 

Podemos pensar que valores podem ser mais contínuos e flexíveis, ao contrário de regras ou objetivos fixos (os quais podem ser fugazes se comparados aos valores). Esta definição é muito próxima da prática psicoterapêutica proposta pela ACT – Terapia de aceitação e compromisso (um modelo de psicoterapia inspirado pela análise do comportamento). Um dos objetivos da ACT é prover estratégias ao terapeuta que enfraqueçam o contexto da linguagem (aqui entendida como emoções, pensamentos, inferências e sentimentos) como fonte de sofrimento psicológico dos clientes. Ao procurar modificar esta relação, o terapeuta deve levar o cliente a compromissar as ações por meio de seus valores, ou seja, agir de acordo com o que definiu como um vida na direção da pessoas que quer vir a ser.

Entretanto, vamos olhar para a definição mais técnica dos valores pela ACT descrita pelos seus idealizadores: “Valores são consequências livremente escolhidas, construídas verbalmente com a evolução contínua e dinâmica dos padrões de nossas atividades, que estabelecem reforços predominantes e são intrínsecos ao engajamento no próprio padrão comportamental valorizado”. Apesar de estar em consonância com os preceitos da ACT, se fôssemos pensar em uma pergunta de pesquisa ou operacionalizar estes termos enquanto comportamentos, complicações poderiam aparecer. Tiago Ferreira e seus colaboradores defendem que o termo na literatura atual é muito amplo, mesmo quando traduzido para uma linguagem comportamental. Este problema ocorre porque, ao definir valores, os clínicos utilizam termos de nível médio (Middle-level terms) que são termos técnicos, porém não teóricos, de grande utilidade para o contexto clínico, mas sem terem sidos derivados da pesquisa básica. 

Uma possível solução para definir os valores é procurar termos mais próximos da pesquisa básica e que tenham inspiração na utilidade do termo enquanto processo psicoterapêutico. Mas como isso poderia ser feito? Após reflexões apoiadas pela literatura da área, os autores do texto resenhado chegaram à conclusão apresentada anteriormente a você neste texto. Já esqueceu?  Então vamos relembrar: “qualidades estáveis e compreensivas dos nossos próprios comportamentos, nos quais os indivíduos estabelecem certas regras que descrevem as qualidades dos seus repertórios ao longo da vida e, deste modo, produzem funções reforçadores positivas para o próprio comportamento”. Com base nesta definição pesquisas básicas podem ser geradas para investigar o fenômeno dos valores em contextos controlados e produzir novas ferramentas conceituais para o processo clínico.

Deste modo, a CAC contemporânea poderá ter maior precisão em suas intervenções ao tornar os valores do cliente mais estáveis e compreensivos ao longo do processo terapêutico e, desta forma, incentivar padrões de respostas mais adequados ao enfrentamento da existência e aceitação dos sentimentos (agradáveis ou desagradáveis)  para além do setting terapêutico. Tem-se então maior a compreensão do cliente de que o sentido do processo psicoterapêutico não seja por meio da simples redução de sintomas ou de uma vida em estado permanente de felicidade, mas na ênfase de que uma vida valiosa implicará na melhora da qualidade das nossas ações ao produzir reforços positivos de acordo com as regras que escolhemos para agir em direção a quem queremos ser.

Quer saber mais?

Ferreira, T. A. F., Simões, A. S., Ferreira, A. R., & dos Santos, B. O. S. (2019). What are Values in Clinical Behavior Analysis? Perspectives on Behavior Science. Online first. 1- 12

Texto escrito por Marlon Alexandre de Oliveira, doutorando em Psicologia pela UFSCar e em busca dos seus valores. É pesquisador do INCT-ECCE Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino. Bolsista CAPES.

O uso de jargões interfere na percepção das pessoas sobre a análise do comportamento?

O uso de termos técnicos precisos, comumente chamados de jargões, tem proporcionado à Análise do Comportamento (AC) um certo rigor científico. Por outro lado, o uso dessas terminologias tão específicas pode dificultar a disseminação do conhecimento na população, visto que a reação emocional das pessoas às palavras é um importante componente das narrativas e que várias palavras correspondentes a termos técnicos da AC têm conotação desagradável para falantes de inglês. Será que o mesmo ocorre em outros idiomas? 

Pensando nisso, Critchfield & Doepke (2018) trabalharam com bases de dados já existentes (corpora) para verificar a relação entre uma palavra (jargões da AC) e a emoção evocada por ela em falantes de cinco idiomas: espanhol, árabe egípcio, francês, alemão e português brasileiro. As avaliações foram obtidas em corpora de palavra-emoção, resultado do trabalho de psicolinguistas, que elaboram listas de palavras e fornecem para pessoas comuns avaliarem, uma palavra por vez, como se sentem de acordo com escalas de agradabilidade divididas em nove pontos que variam de muito desagradável a muito agradável (empregando palavras ou ícones do tipo emoticons). Por fim, calcula-se a média das avaliações e obtém-se o valor emocional normativo para cada palavra. Geralmente, os participantes desses trabalhos são jovens-adultos estudantes ou trabalhadores. 

Os pesquisadores consultaram os corpora nos idiomas citados procurando pelas palavras que coincidiam com os termos técnicos da AC extraídos dos principais glossários da área. Em inglês, encontraram 40 termos dentre as milhares de palavras do corpus; em espanhol 35 (ex. avoid/evitar; conditioning/condicionamiento; discirmination/discriminar), mas esse número caiu para menos de 15 nos idiomas restantes, chegando a 10 no árabe egípcio. 

Primeiramente, os autores compararam as classificações de palavra-emoção no inglês e no espanhol, analisando a dimensão valência (agradabilidade). Os resultados mostraram não haver diferença significativa entre o valor emocional atribuído às palavras nos dois idiomas. Mostraram também que palavras que tinham menor valência em inglês tinham menor valência em espanhol e que palavras que tinham maior valência em inglês tinham maior valência em espanhol (covariação positiva). Os pesquisadores concluíram que a percepção do valor emocional das palavras em inglês é um bom preditor da percepção do valor emocional das palavras em espanhol. Em um segundo momento, realizaram a comparação do inglês com os quatro idiomas restantes e encontram a mesma proximidade na valência das palavras entre os idiomas comparados. Por exemplo, em inglês e francês avoid e eviter apresentaram valência de 3,14 e 4,34, respectivamente, e  behavior e comportament valência de 5,5 e 5,34.

Adicionalmente, na comparação com o espanhol, os pesquisadores analisaram o nível de excitação (arousal; variando de calmo a excitado) entendido como correlato de motivação para a AC por ser um elemento que altera o valor do engajar-se em certos comportamentos. Nesta comparação também encontrou-se uma covariação positiva entre as avaliações emocionais dos termos em cada idioma. Entretanto, encontrou-se uma tendência a avaliações de maior grau de excitabilidade dos termos da AC em espanhol do que em inglês. Isso significa que, se juntarmos a conotação desagradável atribuída a vários  jargões da AC com a elevada excitabilidade que evocam nas pessoas comuns, podemos nos deparar com reações particularmente desagradáveis aos termos em espanhol, o que exigiria uma maior atenção na divulgação científica neste idioma.  

No começo desse texto já sabíamos que os jargões da AC podem dificultar a divulgação e disseminação da abordagem (o “problema de marketing” da AC), no idioma inglês, em função da conotação desagradável que vários deles apresentam. Critchfield & Doepke (2018) mostraram que o mesmo vale para outros idiomas. Os resultados são provocadores, já que a percepção das pessoas aos jargões é semelhante mesmo para um idioma de origem (não indo-europeia) distinta dos demais, como o árabe egípcio. A partir desses resultados pode-se prever que se muitos termos são avaliados negativamente em inglês, algo semelhante ocorrerá em outras línguas, interferindo na percepção das narrativas que os contém. Se é verdade que as pessoas tendem a agir em consonância com as emoções evocadas pelas palavras, então, vamos aliviando a mão na hora de utilizar termos técnicos da AC.

Achou interessante? Aqui está a referência:

Critchfield & Doepke (2018). Emotional Overtones of Behavior Analysis Terms in English and Five Other Languages. Behavior Analysis in Practice. 11, 97–105. https://doi.org/10.1007/s40617-018-0222-3

Créditos da imagem: http://bloggdoyo.blogspot.com/2015/03/os-jargoes.html

Elaborado por Djenane Brasil da Conceição, Doutora em Psicologia pela UFSCar, Professora Adjunta da UFRB.

Aprendendo como se ensina a descrever gráficos: Dê um ‘olé’ na Nazaré.

A Análise do Comportamento, como uma ciência de possível aplicação em diversos contextos, tem sido utilizada como base na construção de procedimentos que buscam manejar diversos tipos de comportamento, alguns destes pertencentes ao ambiente educacional. Entre os estudos que buscam compreender processos de aprendizagem, alguns têm utilizado os conceitos de  discriminação condicional aplicados ao ensino de leitura, fisiologia, definição de Operantes Verbais skinnerianos, delineamentos experimentais e até mesmo matemática. 

Em um estudo publicado no periódico Learning Behavior, em 2015, Jack Spear e Lanny Fields, da Universidade de Nova York discutiram a eficácia do uso de discriminações condicionais para o ensino de relações estatísticas apresentadas em gráficos. A pergunta principal foi: os sujeitos conseguiriam descrever os gráficos depois de terem passado por um treino de discriminação condicional? Ou seja, sem nenhum treino ou etapa prévia que a resposta exigida fosse, de fato, escrever uma descrição de gráficos.

Em 2009, Lanny Fields e colaboradores , haviam tentado estabelecer relações, por meio de discriminações condicionais, entre: a) representações gráficas; b) rótulos para os gráficos (títulos); c) descrições escritas dos gráficos; d) e definição dos gráficos (D), com cada um desses elementos sendo um elemento de uma classe de estímulos (e.g. classe de gráfico indicando índice pluviométrico ao longo do ano). Mas, apesar de a maior parte dos participantes terem formado essa classe, os autores  constataram que os participantes não haviam ficado sob controle de todas as características do gráfico, portanto, no momento de descrevê-los, os participantes não apresentavam todos os elementos relevantes das interações gráficas de forma acurada em suas descrições escritas.

Para tentar corrigir este déficit Spear e Fields aplicaram um procedimento para estabelecer controles discriminativos por características específicas dos gráficos durante as tarefas de seleção. Para isto, as comparações incorretas eram diferenciadas por partes das descrições específicas de cada característica do gráfico. Por exemplo, para que os sujeitos estivessem sob controle das características apresentadas no eixo Y do gráfico no momento da seleção da comparação correta, apenas as informações referentes ao eixo Y eram alteradas na comparação incorreta. De forma mais prática, se eu quiser ensinar uma pessoa a diferenciar entre bandas de rock e de pagode apenas pelo ritmo das músicas, eu preciso garantir que todos os outros elementos (idioma, teor emocional da música, tonalidades, etc.) se mantenham similares entre si. Assim, o sujeito estaria sempre sob controle do ritmo da música para diferenciá-la. Para o ensino de descrições de gráficos isto, garantiu que os sujeitos selecionassem comparações corretas sob controle de características específicas.

No de 2015, os dois autores compararam quatro protocolos para estabelecimento destas relações com discriminações condicionais simples ou sob controle de características específicas dos elementos gráficos. O objetivo de cada um dos protocolos foi analisar quais seriam as unidades mínimas das descrições gráficas que precisam ser ensinadas para que o sujeito fosse capaz de descrever de forma acurada toda a representação gráfica. Vamos retomar um ponto importante: Spear e Fields estavam buscando compreender quais são as variáveis mínimas e críticas para o ensino de um repertório de forma mais econômica possível.

Comparados com um grupo que não passou por nenhum tipo de intervenção, os participantes que passaram tanto por procedimentos de ensino de discriminações condicionais simples quanto aqueles que passaram por  discriminações condicionais sob controle específico demonstraram um desempenho estatisticamente superior. Os autores concluíram que estabelecer repertórios discriminativos sob controle de características específicas de estímulos complexos pode produzir derivação de repertórios topograficamente diferentes (descrição de gráficos), e sem treinamento direto. Ou seja: aprender a discriminar elementos do gráfico precisamente poder levar uma pessoa a conseguir descrevê-lo de forma precisa, sem ser necessário treinar o comportamento de descrever gráficos em si. . Garantir que os participantes discriminem cada elemento da descrição dos gráficos aumenta a sua capacidade de descrever de forma acurada. Outro dado importante produzido por este experimento foi que, participantes que passaram por treinos que estabeleceram controle mais específico para mais variáveis gráficas  tiveram um desempenho mais acurado em testes realizados em seguida. Ou seja, quanto mais treinos discriminativos para mais elementos gráficos o participante realizasse, melhor seria seu repertório de descrição precisa de gráficos. 

Tudo bem, mas como essa melhora de desempenho acontece? Para Spear e Fields, o desenvolvimento deste repertório poderia ser explicado pelo repertório generalizado de cópia . Estabelecendo relações entre descrições escritas e imagens gráficas de forma a torná-los equivalentes entre si, as funções  discriminativas das imagens seriam transformadas. Ou seja, a função comportamental do gráfico seria transformada em discriminativa a partir do estabelecimento de relações de equivalência (ou coordenação) entre os dois estímulos (o gráfico e a descrição do gráfico). O gráfico passaria, também, a exercer uma função discriminativa de produção textual (cópia) da descrição. Assim, após estabelecimento de relações entre estímulos textuais e não textuais, por meio de uma resposta de seleção, poderíamos, por si só, derivar um repertório topograficamente diferente sob controle discriminativo. Derivaríamos, portanto, não só relações entre estímulos, mas também novos repertórios que já são generalizados, no caso deste estudo, a cópia. 

Descobrir formas econômicas e críticas para o ensino de repertórios tem-se mostrado cada vez mais necessário para a proposição de novas tecnologias capazes de produzir aumentos nos índices de educação. Haya Shamir e colaboradores do Waterford Research Institute, por exemplo, tem desenvolvido programas computacionais (UPSTART) para melhorar capacidade de leitura e escrita de crianças em estágios pré-primários com tarefas periódicas de curta duração e computadorizadas. Os resultados são promissores e garantem um nivelamento de repertório, diminuindo fatores que podem inferir diretamente na desigualdade de aprendizagem. Interpretar gráficos não é uma tarefa fácil, mas tentar descobrir modos eficientes de ensinar estas tarefas complexas tem sido um bom desafio para nós analistas do comportamento. 

Achou interessante? Aqui está a referência completa. Achou duvidoso? Aqui está a referência completa. Achou sem graça? Talvez você goste da referência completa. 

Spear, J., & Fields, L. (2015). Learning to write without writing: Writing accurate descriptions of interactions after learning graph-printed description relations. Learning & behavior, 43(4), 354-375.

Texto escrito por Ramon Marin, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, com financiamento CAPES. 

Uma biografia do cotidiano científico

Quanto mais eu aprendo sobre a vida, o universo e tudo mais, mais eu tenho me afastado de histórias que constroem personagens que são ou mocinhos ou vilões. Neste sentido, a biografia do Skinner escrita por Robson Cruz é o tipo de enredo que me captura atualmente, por trazer várias das nuances da realidade científica.

Nesta biografia o autor apresenta um Skinner dedicado à Ciência, mas ao mesmo tempo um tanto negligente com as disputas teóricas e políticas inerentes ao contexto científico. O grande personagem dessa biografia, como indicado pelo título é justamente o cotidiano científico, por isso eu acredito que todas as pessoas que estão (assim como eu) envolvidas (até o pescoço) com o Mundo Acadêmico vão se identificar muito com a leitura, independente de serem ou não analistas do comportamento.

Para quem é da área, é uma boa oportunidade de refletir sobre a própria Análise do Comportamento. Durante a leitura do livro, eu fiquei pensando muito naquele meme antigo da pessoa diferentona. Sabe? Se lembra? Eu fiquei pensando que há uma certa “Síndrome de Diferentona” na área: “só eu que trabalho com sujeito único”, sim, só você… a rainha do controle experimental, a deusa que não precisa de estatística, a princesa do delineamento de bases múltiplas… Brincadeiras a parte, esse posicionamento em que a Análise do Comportamento se colocou e foi colocada aparece em uma série de eventos narrados ao longo do livro, assim como as pessoas que defenderam um posicionamento mais aberto ou mais fechado da área.

Uma das coisas mais interessantes desta biografia do cotidiano científico foi poder conhecer melhor as outras pessoas, além do Skinner, diretamente envolvidas nas bases da Análise do Comportamento. Eu confesso que ganhei um novo crush: ele se chama Fred Keller. A importância de Keller para a disseminação da Análise do Comportamento dentro e fora dos Estados Unidos é descrita em mais de uma passagem da obra. Como vários analistas do comportamento, eu me identifico muito com o Skinner, em vários sentidos, e confesso que eu queria poder ter sido amiga dele. É por isso que eu acho que rolou tanta identificação com o Keller. Além de amigo do Skinner, Keller parece ter desenvolvido muito mais habilidades sociais e políticas que ajudaram nessa empreitada de divulgação da nova ciência do comportamento. É claro que o fato dele ser pobre e precisar se virar para pagar seu estudos foi um elemento a mais nesse processo de identificação, no meu caso.

Além de apresentar o cotidiano científico e seus personagens, Robson ainda traz passagens de autores da historiografia e filosofia da ciência como comentadores daqueles eventos que estão sendo narrados. Isso torna a compreensão de alguns elementos epistemológicos mais simples, como quem fala de ciência no intervalo do cafézinho. Porque “os cientistas vivem o cotidiano de uma forma, mas narram sua história de outra”, e o autor traz esse cotidiano científico para defender a ideia de que ele não se trata de um pano de fundo da ciência, mas parte inerente de uma prática social necessariamente complexa e entremeada por várias decisões baseadas em evidências nada científicas.

E por falar em cotidiando científico, essa crítica pode estar muito positivamente tendenciosa porque eu li esse livro “numa sentada só”, como alguém que tá fazendo uma fuga bem elaborada da escrita da própria tese. Mas ainda assim indico muito a leitura e aproveito para fazer um convite para gente sentar num bar e discutir sobre o livro (assim que eu terminar a tese, é claro!).

Deu vontade de ler? Aqui está a referência certinha:

Cruz, R. N. da. (2019). B. F. Skinner: uma biografia do cotidiano científico. Belo Horizonte: Artesã.

Melina Vaz- Bióloga, Psicóloga, há poucos passos de virar Doutora em Psicobiologia pela USP, gosta tanto do cotidiano científico que resolveu fazer um diário ilustrado sobre isso (https://www.instagram.com/melina_vax/?hl=pt-br)

O que mantém o comportamento de apostar em jogos de azar? A busca por um diálogo entre análise funcional e psicometria

Você já pensou porque algumas pessoas costumam apostar em jogos de azar, mesmo que a frequência em que elas ganham algo seja muito baixa? Quem estudou um pouquinho de análise experimental do comportamento sabe que animais em laboratório são capazes de se manter se comportando de uma determinada maneira mesmo quando a consequência reforçadora é liberada de maneira intermitente, em uma frequência baixa e variável. Este poderia ser um ótimo análogo do comportamento de apostar se as pessoas que apostam estivessem privadas de alimento, água ou outro reforçador primário, como animais nos experimentos comumente estão, mas não parece ser o caso. Então, o que deve ser levado em consideração nesses casos?

O Boletim Behaviorista de hoje se baseia no artigo de Dixon, Wilson, Belisle e Schereiber (2018), A Functional Analytic Approach to Understanding Disordered Gambling, que traz discussões sobre o assunto.

Alguns autores (e.g.: Weatherly, Miller, & Terrell, 2011) argumentaram que haveriam quatro principais funções que manteriam o comportamento de apostar. A primeira delas seria atenção social: a interação com amigos durante as apostas, a comemoração com pessoas diante um ganho e o consolo de entes queridos após um dia de perdas reforçariam positivamente o apostar. A segunda seria o acesso a itens, como bebidas grátis oferecidas em casinos. Uma terceira função, também um reforçador positivo, seria de ordem sensorial, a exemplo das luzes e sons produzidos ao apostar. Por fim, o comportamento poderia se manter em um esquema de reforçamento negativo na medida em que jogar evitasse entrar em contato com estímulos aversivos, como algum trabalho ou um conflito conjugal. Outros autores (e.g.: Dixon et al., 2018) defendem que dividir os reforçadores entre positivos e negativos seria o suficiente para estudar o fenômeno. Mas qual modelo é mais adequado?

Pensando nisso, Dixon e Johnson (2007) criaram um instrumento intitulado Gambling Functional Assessment (GFA), que pode ser traduzido como Avaliação Funcional do Comportamento de Apostar. Trata-se de uma tentativa de verificar, a partir de parâmetros psicométricos, qual hipótese funcional seria mais adequada para estudar o comportamento de apostar. Este instrumento conta com 20 frases, cada uma tratando de alguma das quatro funções apontadas na literatura. Dois exemplos são: “Eu jogo para dar uma pausa do trabalho ou outra tarefa difícil” e “Eu só jogo quando meus amigos estão jogando comigo”. Para cada frase, há uma escala tipo Likert de 7 pontos, abrangendo a frequência de cada comportamento, que vai de “Nunca” a “Sempre”.

O GFA foi aplicado por Dixon e colaboradores (2018) em 365 pessoas de diversas idades e nível educacional e, a partir dos resultados, a análise estatística concluiu que os itens se agrupavam melhor em três fatores. Isto é, o número de fatores não coincidiu com o número de funções de nenhuma das hipóteses funcionais existentes na literatura. Dixon e colegas argumentaram, então, que o instrumento deveria ser ajustado para se adequar a hipótese de quatro funções – a qual eles consideram mais útil. Estes autores fizeram uma nova aplicação do GFA, onde os itens que não se encaixaram adequadamente em um, e apenas um, dos fatores foram excluídos. Ao final, obteve-se uma nova versão do instrumento, o GFA II, com 10 itens que agruparam estatisticamente em quatro fatores.

Além de testar um instrumento que estivesse de acordo com o modelo teórico sobre funções mantenedoras do apostar, Dixon e colaboradores (2018) queriam verificar se este instrumento seria capaz de diferenciar apostadores “recreativos” de apostadores ditos “patológicos”. Para tanto, foi usado outro instrumento, o SOGS (South Oaks Gambling Screen, o qual já havia sido validado para medir gravidade do comportamento de apostar), e então foi testada sua correlação com o GFA II. O SOGS consta de 26 itens que tratam do tipo de aposta feita pelo sujeito, sua frequência, valores apostados e como o sujeito interpreta suas emoções diante do seu comportamento de apostar. Os resultados apontaram que quanto maior o escore total do participante no GFA II, maior seu escore total no SOGS. Os autores interpretaram que o GFA II poderia predizer comportamento de apostar patológico, uma vez que altos escores neste instrumento estavam positivamente correlacionados com escores indicativos de patologia no SOGS. A análise, no entanto, não comparou os escores em fatores separados do GFA II e escore total do SOGS.

A pesquisa de Dixon e colaboradores trouxe resultados e discussões interessantes para entendermos o comportamento de apostar, mas de que forma isso pode ajudar os psicólogos clínicos no atendimento de pessoas que trazem queixas relacionadas a jogos de azar?

No artigo, foi apontado que a partir do resultado do instrumento, calcula-se a média de cada categoria (isto é: atenção social, esquiva, sensorial e acesso a itens) e aquela como maior pontuação é considerada a mais provável de estar mantendo o comportamento de apostar. Poder-se-ia argumentar que o GFA II tem uma aplicação fácil e rápida, com o cálculo do resultado, o psicólogo poderia determinar o que mantém o comportamento de seu cliente para então intervir sobre ele. Mas será que essa análise é mesmo eficaz? É importante ressaltar que os itens presentes no GFA podem não abarcar as reais contingências envolvidas na vida do cliente. A maioria dos itens não aborda antecedentes de comportamentos e as consequências são restritas. Portanto, a teoria e os dados que sustentam o GFA são importantes para pensar em possíveis análises funcionais na clínica, mas não amplas o suficiente para dar conta da diversidade e complexidade envolvidas nos casos de clientes apostadores. É necessário fazer análises funcionais individuais, levando em conta as peculiaridades de cada caso, história de vida, e os antecedentes e consequências presentes em cada contingência.

Se interessou em ler o artigo? Acesse:

Dixon, M. R., Wilson, A. N., Belisle, J., & Schreiber, J. B. (2018). A Functional Analytic Approach to Understanding Disordered Gambling. The Psychological Record, 68(2), 177-187. Doi: https://doi.org/10.1007/s40732-018-0279-y

Créditos da imagem:

https://saude.ig.com.br/2017-10-21/transtorno-jogo-compulsivo.html

Escrito por Júlia Castro de C. Freitas, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, com financiamento de Bolsa CAPES.

 

Teoria das Molduras Relacionais, Inteligência e Linguagem

Não habitamos um país; habitamos uma língua. Essa é a nossa nação, nossa pátria –  e nenhuma outra” Emil Cioran (Anathemas and Admirations, 1987 – tradução livre)

A Teoria das Molduras Relacionais (TMR) ou Relational Frame Theory (RFT – Hayes, Barnes-Holmes e Roche, 2001) é uma das explicações mais recentes dentro da Análise do Comportamento que se propõe a estudar linguagem e cognição humana, focando especialmente na relação existente entre esses dois fenômenos. Uma das principais linhas de pesquisa da TMR se concentra na investigação científica da maneira pela qual nós adquirimos nossa linguagem, em todas as suas dimensões, e como esse processo está intimamente relacionado com o desenvolvimento de outros fenômenos cognitivos. Segundo essa teoria, é preciso entender como nós, seres humanos, somos capazes de estabelecer relações arbitrárias entre os vários estímulos que se encontram em nosso ambiente. Dessa forma, até mesmo um fenômeno como a inteligência também estaria correlacionado com o estabelecimento e manutenção dessas relações arbitrárias. Tal perspectiva está em conformidade com a noção de que diferentes contextos culturais, o que também implica em diferenças linguísticas (diferenças nas convenções morfológicas, sintáticas e semânticas de uma determinada língua ou dialeto), influenciam nossa compreensão de inteligência (Boroditsky, 2011). 

De maneira bem simplificada, a TMR utiliza a seguinte “lente” para estudar esses assuntos: inicialmente, em nossa infância, nós somos expostos a várias relações, de diferentes tipos, não-arbitrárias, baseadas nas características físicas dos estímulos presentes ao nosso redor. Dessa forma, somos capazes de aprender que diferentes objetos são maiores ou menores, semelhantes e diferentes por meio de suas propriedades morfológicas ou anatômicas. Portanto, somos capazes de estabelecer que um carro é maior que uma moto e que esta é maior que uma bicicleta.  No decorrer de nosso desenvolvimento, também aprendemos a estabelecer relações arbitrárias com esses mesmos estímulos, dessa vez sem depender das propriedades físicas desses elementos. Seguindo o exemplo anterior, poderíamos estabelecer arbitrariamente que a bicicleta é “melhor” ou “mais bonita” que a moto e que esta é melhor ou mais bonita que o carro. 

Outro fato importante é a nossa capacidade de derivar relações desses dois tipos sem que haja a necessidade de aprendermos todas elas diretamente. Na situação não-arbitrária, ao aprender diretamente que o carro é maior que a moto, somos capazes de derivar também, de maneira indireta, que a moto é menor que o carro. No exemplo das relações arbitrárias, ao aprender diretamente que a moto é “melhor” ou “mais bonita” que o carro, podemos derivar que o carro é “pior” ou “mais feio” que a moto. Seguindo essa lógica, alguns autores da TMR compreendem as diversas atividades presentes nos diferentes testes de inteligência como “avaliações” dessas tarefas relacionais. Portanto, ao estudar esse comportamento relacional, estamos investigando também a inteligência humana.

Em 2011, um estudo realizado por Cassidy, Roche e Hayes procurou investigar justamente a importância do estabelecimento e treino dessas respostas relacionais comentadas anteriormente para a inteligência. Essa pesquisa foi feita com oito crianças irlandesas, que respondiam inicialmente à Escala Weschsler de Inteligência para Crianças (WISC IV) e, em seguida, realizavam treinos de diferentes tipos de relações estudadas pela Teoria das Molduras Relacionais. Ao finalizarem esse procedimento, as crianças passavam novamente pelo teste de QI (WISC IV). Sete dos oito participantes apresentaram um aumento significativo nessa medida de inteligência. Isso permitiu que os autores iniciassem o desenvolvimento de uma programa educacional, visando a estimulação do funcionamento cognitivo dessas crianças.

No ano passado, Colbert, Tyndall, Roche e Cassidy publicaram um artigo relatando sua replicação modificada do estudo de 2011 e de outros que o sucederam. Assim como no caso anterior, os pesquisadores, a partir da perspectiva da TMR, compreendem que existe uma relação muito próxima entre o ensino/treino de habilidades cognitivas relacionais e o aumento do índice geral de inteligência. Vinte e seis alunos irlandeses do ensino médio compuseram a amostra do experimento. Eles foram divididos em dois grupos: um experimental e outro controle. O grupo experimental era composto por doze alunos. Estes foram expostos aos treinos das relações estudadas pela Teoria das Molduras Relacionais durante doze semanas. Os treinos foram realizados em um computador e a tarefa dos estudantes consistia em aprender as relações arbitrárias estabelecidas entre os estímulos abstratos (conjunto de letras sem sentido) que eram apresentados na tela. As seguintes relações foram ensinadas e testadas: igualdade, oposição e comparação. O teste de inteligência WASI (Escala Wechsler Abreviada de Inteligência) foi aplicado com os participantes antes e depois do treino das relações. Os dados apresentados pelos pesquisadores apontam para aumentos significativos de desempenho nos três índices dessa escala de inteligência e também para os quatro outros subtestes de QI que compõe o WASI. Também é importante ressaltar que esse aumento foi apenas identificado no grupo experimental, que passou pelo treino de relações arbitrárias. Os dados dessa pesquisa de 2018 fornecem ainda mais evidências da eficácia desse tipo de programação de ensino para o desenvolvimento de habilidades relacionadas com a inteligência. Além disso, os resultados também indicam que muitas das capacidades incluídas no fenômeno cognitivo da inteligência podem ser descritas como habilidades relacionais, ou seja, a capacidade de apreender e derivar diferentes tipos de relações (molduras) entre eventos. 

Essa perspectiva relacional da TMR se aproxima de uma concepção interacionista e cultural da inteligência, chamando nossa atenção para o ambiente no qual estamos inseridos e para as nossas experiências de aprendizagem em diferentes contextos. Tal perspectiva está em conformidade com pesquisas mais recentes na área da inteligência, que também irão priorizar a cultura como uma variável de extrema importância para a compreensão desse fenômeno (Nisbett, 2003). Nesse ponto, fica clara a distinção e ruptura dessa análise cultural da inteligência em relação a outros modelos mais clássicos, que entendiam esse fenômeno cognitivo como um constructo ou capacidade geral pouco mutável e independente do meio (e.g Jensen 1998).

Outra discussão interessante de ser feita se concentra na relação já mencionada entre cultura e linguagem. Após adentrarmos no campo simbólico da linguagem, é praticamente impossível pensarmos ou nos relacionarmos com o mundo a nossa volta sem usarmos as palavras à nossa disposição. Pensando nessa interação entre inteligência e linguagem, que em si é constituída por essas várias relações arbitrárias estudadas pela Teoria das Molduras Relacionais, seria interessante investigarmos mais detalhadamente as diferenças médias de QI apresentadas entre países Ocidentais e Orientais. Lynn e Meisenberg (2010) mensuraram o QI em 108 nações diferentes. Quatro países, todos orientais, mostraram as maiores médias nacionais de QI. Quando pensamos em possíveis diferenças culturais e linguísticas entre esses países, é possível identificar variações muito significativas. Uma delas é o uso de ideogramas (imagem ou símbolo gráfico) para representar fonemas e palavras. Esse tipo de sistema de leitura e escrita, em si, já se distancia bastante do nosso uso típico de vogais, consoantes e sílabas a partir do alfabeto romano para nos comunicarmos (sistema de escrita utilizado no Brasil e em vários outros países do Ocidente). Outra curiosidade relevante é que alguns países orientais usam diferentes sistemas de escrita e leitura constantemente no seu dia-a-dia. Esse é o caso do Japão, que utiliza três diferentes tipos de “alfabetos”: hiragana, katakana e kanji. 

Em uma perspectiva da TMR, seria possível pensar que os japoneses, por serem expostos naturalmente a mais tipos de relações arbitrárias em sua língua, apresentam índices maiores de inteligência? Obviamente, trata-se apenas de uma hipótese especulativa nesse momento, necessitando de outros estudos que procurem identificar essas diferenças e quais seriam seus possíveis efeitos nos fenômenos psicológicos humanos. De qualquer forma, essas especulações abrem caminhos férteis para serem percorridos pela Linguística e Psicologia. 

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Referências

Colbert, D., Tyndall, I., Roche, B.  & Cassidy, S. (2018). Can SMART training really increase intelligence? A replication study. Journal of Behavioral Education, 27, 509-531.

Cassidy, S., Roche, B., & Hayes, S. C. (2011). A relational frame training intervention to raise Intelligence Quotients: A pilot study. The Psychological Record, 61, 173–198. 

Boroditsky, L. (2011). How Language Shapes Thought. Scientific American, 304, 62-65.

Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Roche, B. (2001). Relational Frame Theory: A Post-Skinnerian account of human language and cognition. New York: Plenum Press.

Jensen, A. R. (1998). The g factor. Westport, CT: Praeger-Greenwood. Kearins, J. M. (1981). Visual spatial memory in Australian aboriginal children of desert regions. Cognitive Psychology, 13, 434–460.

Lynn, R., & Meisenberg, G. (2010) National IQs calculated and validated for 108 nations.  Intelligence, 38, 353-360.

Nisbett, R. E. (2003). The geography of thought: Why we think the way we do. New York: Free Press.

Créditos das imagens: A Criação de Adão – Michelangelo, 1511 (fonte: https://www.wikiwand.com/pt/A_Cria%C3%A7%C3%A3o_de_Ad%C3%A3o)

Texto escrito por Lucas Ivan Sardella, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, no Laboratório de Estudos sobre Comportamento Humano (LECH). Membro do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico.