Clean e Snatch são movimentos de levantamento de peso que fazem parte dos jogos olímpicos desde 1896 para os homens e desde 2000 para as mulheres (mais de um século depois, mas, “antes tarde do que nunca”…). Ambos envolvem aproximar-se de uma barra com pesos, posicionada no chão, e coordenar complexos movimentos de força para apoiar a barra sobre os ombros (no caso do Clean) ou erguê-la direto sobre a cabeça (no caso do Snatch).
Recentemente, tais movimentos têm sido muito popularizados (estima-se que nos últimos 20 anos houve um aumento de sua inclusão nos treinos de 70%), em parte graças ao número crescente de praticantes de Crossfit. Pensando no grande risco envolvido na execução incorreta desses movimentos (lembre-se que estamos falando de muitos quilos acima do seu pescoço ou cabeça!), não só para os atletas olímpicos e profissionais, mas justamente para os levantadores de peso amadores e iniciantes, James Moore e Laura Quintero, da University of Southern Mississippi, resolveram verificar se faz diferença a ordem na qual a execução do movimento é ensinada.
Apesar de não haver pesquisas publicadas sobre as melhores estratégias para ensinar esses movimentos aos novatos, os pesquisadores identificaram que existem dois modelos mais comumente usados pelos treinadores profissionais: bottom-up e top-down (“de baixo para cima” e “de cima para baixo”, respectivamente).
Coincidentemente (ou não?), as estratégias envolvidas em tais modelos são muito semelhantes àquilo que os Analistas do Comportamento chamam de encadeamento*. No modelo bottom-up, em que o aprendiz começa retirando a barra do chão e a sequência é fragmentada e ensinada a partir dessa cadeia de respostas, teríamos o chamado encadeamento para frente. No modelo top-down, em que o aprendiz começa com a barra em sua posição final e o movimento é ensinado desse ponto até o início, teríamos então um processo semelhante ao encadeamento reverso.
Muitas coisas que fazemos no dia a dia envolvem algum tipo de encadeamento comportamental, como, por exemplo, usar uma máquina de lavar, amarrar os sapatos, trocar um pneu ou usar um caixa eletrônico. Os analistas do comportamento conduziram diversos estudos para determinar que tipo de encadeamento (para frente ou reverso) é melhor para ensinar sequências comportamentais dessa natureza. Não há consenso e os resultados mostram que para cada tarefa a ser ensinada, um tipo de encadeamento parece ser mais apropriado. No caso do levantamento de peso, um desses modelos então funcionaria melhor do que o outro? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores convidaram 4 praticantes de Crossfit a participar do presente estudo: dois homens e duas mulheres, todos iniciantes a respeito do levantamento de peso.
Os participantes treinaram por dois meses, em média 3 dias por semana, com James Moore na academia onde ele trabalhava como treinador. As sessões de treino eram filmadas, analisadas separadamente por observadores que assistiam os levantamentos de peso (Clean & Snatch) em camêra lenta e, posteriormente, os passos de cada um desses levantamentos eram categorizados de acordo com sua adequação: execução correta (+) ou incorreta (-). Os levantamentos foram divididos em 4 passos cada. Para o Clean, os passos eram o deadlift, o pull, o power clean, e o agachamento (squat). No caso do Snatch, eram o deadlift, o pull, o power snatch, e o agachamento (squat). E, apesar dos levantadores de peso serem amadores, o esquema era profissa: os critérios adotados para avaliação da execução eram os estabelecidos pela Associação de Levantamento de Peso dos EUA (United States Weightlifting Association). Para cada levantamento, os pesquisadores somaram o número de passos considerados corretos (+), dividiram pelo total de passos necessários para o levantamento completo e converteram o quociente em uma porcentagem.
A cada participante foi randomicamente designado um modelo de encadeamento para cada levantamento. Se, por exemplo, dois participantes aprenderiam o Clean por encadeamento para frente, os mesmos participantes aprenderiam o Snatch por encadeamento reverso (e vice-versa para os dois participantes restantes) . Os levantamentos eram ensinados concomitantemente e, se o participante atingisse o critério de sucesso na aprendizagem de um deles (80% de acertos), a estratégia bem sucedida passava a ser aplicada para o outro levantamento, isto é, se o participante tivesse sido bem sucedido em executar o Clean por meio de encadeamento para frente, mas ainda não tivesse atingido o critério de aprendizagem para o Snatch, o Snatch passaria a ser ensinado por encadeamento para frente também.
No fim das contas, o que foi descoberto? Ao comparar as duas estratégias que os treinadores usualmente aplicam ao ensinar os levantamentos, os pesquisadores observaram que os 4 participantes atingiram o critério de aprendizagem por meio do encadeamento para frente, mas tiveram poucas melhoras quando submetidos ao encadeamento reverso. Mais do que isso: o encadeamento reverso não produziu a performance desejada para nenhum dos participantes! No caso do Clean e do Snatch, a ordem dos fatores modificou o produto! Quando o encadeamento reverso era substituído pelo encadeamento para frente, todos os participantes alcançavam o critério de acertos.
Os autores discutem, entre outras hipóteses, que, no caso de levantamentos como o Clean, se um movimento é executado de forma incorreta ao longo da cadeia (se, por exemplo, a barra não é levantada até os quadris antes da puxada final) pode não ser possível corrigir esse erro antes de dar seguimento. Quando o encadeamento era realizado para frente, garantiu-se a aprendizagem dos passos iniciais antes dos movimentos finais, o que reduziria esse problema.
Ficou interessado? Esse é o artigo original:
Moore, J. W. and Quintero, L. M. (2019), Comparing forward and backward chaining in teaching Olympic weightlifting. Journal of Applied Behavior Analysis, 52: 50-59. doi:10.1002/jaba.517
*Seguem as definições dos termos apresentados, retiradas de Martin, P; Pear, J. (2009) Modificação do comportamento: o que é e como fazer. Editora Roca. São Paulo.
Encadeamento para frente: Começando da primeira, cada etapa deve ser dominada antes de passar para a próxima; O treinador fornece deixas e um reforçador para a etapa que é ensinada; Em cada tentativa, todas as etapas anteriormente dominadas são exigidas, até aquela que é ensinada; Dessa maneira, é aprendida uma etapa por vez, progredindo até a última. Encadeamento reverso: Começa com a última etapa – esta deve ser dominada antes de prosseguir para a penúltima etapa; O treinador fornece deixas para a etapa que é ensinada; Em cada tentativa, todas as etapas anteriormente dominadas são exigidas, e a última etapa é seguida por um reforçador; Dessa maneira, é aprendida uma etapa por vez, progredindo da última até a primeira. (p.164)
Escrito por Renata Cristina Gomes, psicoterapeuta na clínica Selten em Jaguariúna e no ITCR-Campinas, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico.
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